Natureza humana, felicidade e ansiedade
- CA FAMERV
- 24 de out. de 2020
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. Por excessos, nos tornamos inertes. Apesar da definição de sermos uma das sociedades mais ativas historicamente, paradoxalmente também somos uma das mais frias e intelectualmente inertes
Por Victor Hugo Ferreira de Melo Vaz
O ser humano vive na ambivalência de dois espectros inerentes a ele: o material e o transcendental. Houve um momento em que a natureza transcendental do homem, sua alma, seu brio, sua espiritualidade, se fez pesar menos na balança e, então, tenta incessantemente compensar com a natureza material das coisas. O problema dessa narrativa é que a Vontade humana se inclinou para esses conceitos materiais concretos e sem brilho. O olhar vívido e curioso de criança se perde mais rapidamente nos tornando torporosos. Torporosos por cansaço. Enxergamos as coisas com fim além delas mesmas. Tomamos uma xícara quente de café pela manhã não pelo deleite do café em si, mas para nos manter acordados. E quando isso toma grande parte da nossa vida, nos tornamos insensíveis e cegos para coisas simples e sublimes. A felicidade reside justamente no oposto dessa tendência de finalidade. A felicidade, por exemplo, é inútil. Inútil por não ter uma finalidade. Inútil por ser um fim em si, pois ninguém é feliz “para algo”. Todo esse contexto é um reflexo da balança descalibrada que acidentalmente criamos.
Muitas das mentes mais brilhantes e inteligíveis nos incitam a desfrutar subitamente dos prazeres diários tendo em vista que estamos todos sob sentença de morte. Esse resume o conceito de carpe diem. Contudo, há um erro inescrupuloso nesse tipo de filosofia. Não há de se negar, claro, que grande maioria dos nossos momentos de felicidade são curtos e passageiros; mas não faz-se verdade que devemos pensá-los como passageiros. Pensar assim é racionalizar a felicidade e, consequentemente, destruí-la. Felicidade não se pensa, se vive. Nenhum golpe aos amores e às gargalhadas espontâneas num bar com os amigos foi tão esterilizante quanto tal maneira de pensar. Para qualquer tipo de prazer, é preciso um espírito totalmente diferente; certa timidez, certa esperança, certo olhar de criança.
É evidente que a reflexão do carpe diem traz alguma sabedoria quanto a entender que não há como controlar o futuro ou o passado, apenas o presente, o que se associa à ansiedade. A ansiedade está relacionada com a antecipação, com a expectativa. Todos estamos intimamente ligados à ansiedade pois todos temos essa capacidade de antecipação de pensamento. É natural ter diferentes níveis de ansiedade porque, em geral, significa que nos preocupamos. Porém, essa ansiedade pode evoluir para níveis patológicos que corroem nossa saúde mental. A ideia não é acabar com qualquer vestígio de ansiedade, visto que somente uma samambaia ou um animal consegue, mas é dissecar sua raiz e entender a origem. O medo/ansiedade andam juntos com a expectativa, ambos pertencem à uma mente em suspensão, à uma mente em estado de ansiedade ao olhar para o futuro. Se devem principalmente por projetarmos nossos pensamentos longe de nós em vez de nos adaptarmos ao presente. Assim, a previsão, a maior benção que a humanidade recebeu, é transformada em maldição. A zebra do Animal Planet, por outro lado, está confinada ao presente. Ela tranquilamente volta a comer após ter passado à um fio da morte por um leão. Nunca veremos uma zebra pensando sobre sua infância correndo pela savana ou com crise sobre seu futuro incerto. Ao contrário disso, nós somos atormentados pelo que é passado e pelo que está por vir; e o nome disso é ser humano.
Evidentemente que se dissociar do passado ou do futuro, negando suas responsabilidades, é imaturidade. O ponto não é, logicamente, ser como a zebra, mas é ter humildade consigo mesmo. É reconhecer que todos têm defeitos e sempre hão de ter. É recalibrar a balança e estabelecer proporção entre as coisas verdadeiramente importantes e as que não são dignas nem mesmo de serem pesadas. Por fim, se Jesus que “somente” amou a todos, inclusive quem cuspiu em seu rosto enquanto carregava a cruz, foi açoitado, xingado e difamado, quem é você para se sentir uma pessoa ruim por ter perdido seguidores no Instagram? Por se sentir uma pessoa ruim por coisas tão pequenas? Humildade vem de “humus”. “Humus” significa terra. Terra frutifica. Humildade frutifica.


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