Cloroquina e Hidroxicloroquina: o que sabemos até aqui?
- Centro Academico Dr Vicente Guerra
- 21 de jul. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 25 de jul. de 2020
A revista britânica The Lancet publicou em 22 de maio o maior levantamento já feito sobre o uso da cloroquina e hidroxicloroquina. A partir da observação de 96 mil pacientes, a pesquisa aponta a ineficácia dessas duas substâncias em pacientes internados com Covid-19. Com maiores riscos de morte e danos ao coração associados ao uso dessas drogas.

Pesquisa aponta 1,3 até 1,4 vezes mais chances de risco de morte com o uso da cloroquina ou hidroxicloroquina, combinadas ou não com antibióticos.
A princípio, o fundamento dessa pesquisa foi coletar dados internacionais de cerca de 670 hospitais dos seis continentes, tais como dados de pacientes que tenham tido covid-19 confirmada e que tenham usado, nos hospitais, algum dos tratamentos em análise. Isso posto, esses tratamentos consistiam em hidroxicloroquina ou cloroquina sozinhas ou associadas a um outro antibiótico do grupo do macrolídeos de segunda geração, o que inclui a azitromicina e cloritromicina. Foram formados cinco grupos amostrais para serem comparados: um grupo de controle, sem nenhuma intervenção, e outros quatro grupos definidos como grupos de intervenções. A finalidade era saber se o risco de morte era maior ou menor com esse tratamento ou sem tratamento, entre os pacientes internados com covid-19 confirmada. Essa era a premissa principal da pesquisa e, adicionalmente, foram formuladas outras, tais como: se os pacientes teriam mais ou menos arritmias, se iriam mais ou menos para a ventilação mecânica, se ficariam mais ou menos tempo no CTI, mais ou menos tempo internados.
A pesquisa apresenta algumas limitações, apesar do grande número de pacientes comparados, que é o fato de ser fundamentada em estudo observacional e não um estudo clínico randomizado e cego. Isto é, nos estudos clínicos randomizados e cegos, define-se aleatoriamente grupos que receberão ou não a intervenção, de forma que nem o paciente, o profissional assistente ou o analista estatístico dos dados saiba qual está recebendo o tratamento real ou apenas placebo. A finalidade da randomização é que se tenha dados balanceados dos pacientes entre os grupos para que esses sejam analisados e comparados. Por sua vez, o cegamento evita que os pacientes recebam outras intervenções ou cuidados diferenciados ao longo do tratamento e, também, que o próprio paciente saiba e influencie na conclusão dos dados com um possível efeito placebo, por exemplo. A randomização e o cegamento não são possíveis no estudo observacional, pois, no estudo observacional, a assistência acontece livremente e a decisão de dar ou não
tratamento é livre e de escolha do âmbito individual de cada um dos profissionais assistentes. Isso, por conseguinte, é uma grande limitação metodológica dos estudos observacionais.
O ponto forte da pesquisa é o fato de ter um grande espaço amostral de pacientes. O número de pacientes que não recebeu as drogas é de 81.144 pessoas. Somente 14.888 pacientes receberam os quatro tipos de tratamentos com cloroquina e hidroxicloroquina. Nesse contexto, ainda que o grupo de controle tenha sido maior que o grupo de intervenção, os grupos de intervenção foram grandes o suficiente para que as comparações obtivessem dados significativos. O estudo analisou, com o fito de corrigir a limitação metodológica da diferença quantitativa entre os dois grupos amostrais, todas as características pessoais dos pacientes, tais como: sexo, idade, moradia, raça, uso de medicamentos, e presença de outras doenças de base. Dessarte, a pesquisa alavancou força nessa perspectiva.
A mesma pesquisa apresenta que há o aumento de chances de arritmias graves em até 7,8%, dependendo se o remédio é ministrado de forma isolada ou combinada com antibiótico. Já o grupo de controle, a porcentagem caiu para 0,3%.
Nesse sentido, vale ressaltar que não necessariamente as mortes ocorreram por arritmia cardíaca, mas houve maior tendência ao observar-se a arritmia cardíaca entre os pacientes que usaram seja cloroquina ou hidroxicloroquina associadas ou não com macrolídeos. Contudo, esse efeito colateral está previsto em ambas medicações. Tanto a cloroquina e hidroxicloroquina quanto os macrolídeos, azitromicina e claritromicina, são medicações arritmogênicas, que tendem a provocar arritmia num percentual de pacientes que a utilizam. Ademais, o que a pesquisa mostra é que essas arritmias ocorrem mais frequentemente em pacientes que já apresentavam problemas estruturais de coração como insuficiência cardíaca, doença coronariana, história prévia de arritmia e, até mesmo, enfisema e bronquite crônica. Então, não esporadicamente, a associação desses dois medicamentos, seja a cloroquina ou a hidroxicloroquina, com ou não macrolídeos, aumentou ainda mais o risco de arritmia. Pelo exposto, essas medicações aumentam o intervalo QT no eletrocardiograma, que, consequentemente, de forma somada, a pessoa que já tenha um problema cardíaco de base ao utilizar uma ou duas dessas medicações a tendência seja maior. Ainda por cima, o fato de a infecção por covid-19 causar uma miocardite é outro fator que se soma e corrobora para esse risco maior de arritmia cardíaca.
Estudos anteriores não se mostraram confiáveis.
Tais estudos não obtiveram dados seguros, pois foram estudos estatisticamente pequenos, na sua maioria de centro único (um único hospital). Não apresentaram método científico confiável, como estudo clínico randomizado. Outrossim, outros estudos como, por exemplo, o estudo francês que apontou algum benefício, eram estudos com muita fragilidade metodológica e de alto risco de erro sistemático na condução metodológica. Além disso, boa parte não apresentou evidente benefício clínico.
Esse estudo novo publicado na revista britânica não permite uma conclusão definitiva. É preciso ressaltar que esses medicamentos requerem um grande e conciso estudo clínico. Isso posto, esse estudo observacional, levando em consideração seu tamanho e consistência, aponta que tais tratamentos não possuem nenhum benefício e, possivelmente, podem agregar risco ou danos aos pacientes. Contudo, há a necessidade de se buscar um tratamento, assim como a vacina.
A grande maioria das pessoas, mesmos aquelas que se hospitalizam, vão sair dos hospitais vivas se receberem um suporte adequado como hidratação, receber precocemente oxigênio e na quantidade adequada para manter a boa oxigenação sanguínea, receber boa nutrição e fisioterapia respiratória e, caso necessário, intubação no momento adequado, da maneira mais rápida e segura possível, além do suporte de ventilação mecânica nos parâmetros adequados.
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